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A Pastoral Universitária e Clericalismo


Pe. Matias Soares

Mestre em Teologia (Gregoriana)

Pós-graduado em Teologia Pastoral (PUC-Minas)

Membro da Sociedade Brasileira de Teologia Moral (SBTM)

Pároco da paróquia de Santo Afonso-Mirassol/Natal-RN


A organização da pastoral universitária é um dos grandes desafios evangelizadores para Igreja nos tempos atuais. O ambiente das academias é uma das realidades de fronteiras, ou periferias, tanto geográficas, como existenciais, do hodierno. Para ele, as forças vivas da Igreja precisam voltar-se, valorizando assim a sua lúcida e reluzente tradição de conciliar fé e razão. A Igreja, no seu desenvolvimento histórico, sempre esteve atenta ao cuidado com as realidades universitárias. O seu princípio relacional e metodológico da integração entre sobrenatural e natural é inegável (cf. Fides et Ratio, João Paulo II). Na corrente do Concílio Vaticano II e do magistério pós-conciliar temos o respaldo necessário e exigente de assumir o compromisso e traçar metas para a urgente promoção da pastoral universitária em todas as Igrejas Particulares, com suas paróquias, que devem ser ‘comunidades de comunidades’, que consideram todas as possibilidades humanas às quais o evangelho deve ser anunciado.

 

A partir do magistério do Papa Francisco, com sua ênfase dada à sinodalidade, que reconhece o papel do senso da fé de todo o povo de Deus, com a conversão missionária de toda Igreja (cf. Evangelii Gaudium, cap I), não podemos mais pensar o dinamismo pastoral das comunidades, tendo em vista a “mentalidade clericalista”. Há ainda quem pensa e defenda que o dinamismo pastoral da Igreja seja centrado no único protagonismo dos ministros ordenados. Essa ideia é retrógada. Ela tem resquícios dos saudosismos ultrapassados e, às vezes, até folclóricos de um mundo que não existe mais. O importante para que pensemos o dinamismo da pastoral universitária é que tenhamos presente a necessidade de formarmos cristãos, homens e mulheres, discípulos missionários, conscientes da sua fé, que testemunhem a “alegria do evangelho” no mundo da educação, nas escolas e faculdades, sejam elas públicas ou privadas.


As universidades são lugares das diferenças. Lá, podemos ‘encontrar’ muitos estilos de vida. Desde os contrapontos religiosos até as novas configurações de gênero. Não há como pensa-las como espaços em que é imposta uma verdade, mas verdades que podem completar-se, ou negarem-se mutuamente. Na perspectiva pastoral conciliar e pós-conciliar o horizonte da Igreja é a do diálogo. Na universidade, como nas demais fronteiras das condições humanas, a tarefa da Igreja é a do testemunho. É ele que atrai e convence (cf. Deus caritas est, Bento XVI 1). É o encontro pessoal com Jesus Cristo que faz com que a pessoa transforme a vida e a existência. Nas universidades, essa também deve ser a nossa preocupação. A presença de ministros ordenados e religiosos(as) nestes areópagos não fará diferença se, assim como os demais cristãos, eles não forem homens e mulheres de convicções profundamente evangélicas.

 

O Papa Francisco, na Alegria do Evangelho, voltando o olhar ao anúncio do evangelho na cultura, pensamento e educação assim nos ensina: “O anúncio às culturas implica também um anúncio às culturas profissionais, científicas e acadêmicas. É o encontro entre a fé, a razão e as ciências, que visa desenvolver um novo discurso sobre a credibilidade, uma apologética original que ajude a criar as predisposições para que o Evangelho seja escutado por todos. Quando algumas categorias da razão e das ciências são acolhidas no anúncio da mensagem, tais categorias tornam-se instrumentos de evangelização; é a água transformada em vinho. É aquilo que, uma vez assumido, não só é redimido, mas torna-se instrumento do Espírito para iluminar e renovar o mundo” (cf. 132). A nossa meta ao projetar a pastoral universitária é promover a transmissão da ‘beleza’ de ser seguidor de Jesus Cristo, com novos métodos que sensibilizem as pessoas que estão no mundo do conhecimento acadêmico e científico aos valores da essência do cristianismo.

 

As universidades devem ter no seu DNA a busca pelo conhecimento da verdade. Nesse aspecto há uma janela que deixa muitas possibilidades de sintonia entre a proposta do evangelho e a ciência. Mesmo que existam alguns agnósticos e ateus, que estão nas universidades doutrinando cotidianamente os jovens contra as propostas do cristianismo, como já tive a oportunidade de testemunhar, com paradigmas que fogem completamente dos próprios parâmetros da exigência da honestidade intelectual, o papel da Igreja, enquanto Mãe e mestra, é estar lá, envolvida, misturada e promovendo o que cada cristão é chamado a ser na sociedade e no mundo. O teólogo, Romano Guardini, em conferências que apresentou em universidades, logo após a II grande guerra, vociferou que muitas universidades deixaram a vontade da verdade pela vontade do poder. Isso porque, quando estas instituições deixam sua vocação original, para tornarem-se aparelhos de estado e regimes políticos, elas traem a sua identidade. Tenhamos presente aqui o que a pastoral universitária é desafiada a ser nestas condições estruturais: testemunha da verdade do evangelho, com a vida e, quando possível for, com a palavra.

 

Ainda na Alegria do Evangelho, Francisco nos diz que “as universidades são um âmbito privilegiado para pensar e desenvolver este compromisso de evangelização de modo interdisciplinar e inclusivo. As escolas católicas, que sempre procuram conjugar a tarefa educacional com o anúncio explícito do Evangelho, constituem uma contribuição muito válida para a evangelização da cultura, mesmo em países e cidades onde uma situação adversa nos incentiva a usar a nossa criatividade para se encontrar os caminhos adequados” (cf. 134). O pontífice nos oferece pistas de ação para que também a pastoral universitária, como a pastoral da educação, tenha um estilo transdisciplinar e inclusivo. É deveras importante que a Igreja na sua totalidade pense a formação dos fiéis, ainda dos que estão nas comunidades eclesiais e estão nas universidades e escolas, para que tenham bases teológicas e espirituais para serem fermento na massa. A questão da inclusão das diferenças, ideológicas, políticas e religiosas é uma premissa sem a qual não conseguiremos encantar as pessoas ao seguimento de Jesus Cristo. E não esqueçamos: “evangelizar, não é fazer proselitismo” (PP Francisco). É necessário acolher, discernir e integrar, quando as pessoas assim o desejarem, cada ser humano, enquanto imagem e semelhança de Deus.

 

Deste modo, cabem algumas questões: será que, nos tempos de hoje, cada um de nós tem consciência da nossa missão pastoral, não só nas universidades, como também nos demais ambientes de periferias geográficas e existenciais? Na sociedade liquida e cansada, consumista e neurótica, há discernimento espiritual e evangélico para assumirmos a nossa responsabilidade evangelizadora? Pensamos a pastoral como ação de Jesus Cristo e da sua Igreja, ou a vemos como ‘oportunidades pessoais’ e narcisistas, sem preocupações que transcendem o imediato? Assim como as demais pastorais, também no ambiente das universidades e escolas a complexidade do humano está posto. Vamos a ela com coragem. Assim o seja!

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