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A Espiritualidade Cristã e a Ação Pastoral da Igreja


Por Pe. Matias Soares Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Mirassol - Natal A Igreja é eminentemente pastora. Essa terminologia pode ser aplicada à Igreja a partir do que o próprio Jesus Cristo diz sobre si (cf. Jo 10,11): “O Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas”. Esse capítulo do evangelista João pode muito bem ser o fundamento para uma meditação sobre a missão da Igreja como sujeito e, ao mesmo tempo, objeto dessa relação entre espiritualidade cristã e a ação pastoral da própria Igreja. Esse é o caminho que seguiremos nesse breve itinerário. Isso porque a Igreja é chamada a ser, antes de tudo, promotora da vida plena. Essa consiste na intima relação de fé e amor com a pessoa de Jesus Cristo, o Bom ou Belo Pastor. A Igreja não pode ter outros interesses que não seja o bem e promoção da dignidade de cada ser humano. De outro modo, ela poderia ser ‘mercenária’, e não a boa pastora. Assim como ela é querida e amada por Jesus, que por ela entregou-se e morreu (cf. Ef 5,25-26), a banhou pela água do batismo e por Sua palavra a santificou, assim a mesma é chamada a ser essa Mãe e Mestra (cf. S. João XXIII), que acalenta e cuida com sua ternura, como também a educa e ensina com sabedoria. Assumindo as prerrogativas do Concílio Vaticano II, temos que partir do princípio cristológico e eclesiológico que está na Lumen Gentium, quando afirma que:


“A luz dos povos é Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito Santo, deseja ardentemente iluminar com a Sua luz, que resplandece no rosto da Igreja, todos os homens, anunciando o Evangelho a toda a criatura (cf. Mc. 16,15). Mas porque a Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano, pretende ela, na sequência dos anteriores Concílios, pôr de manifesto com maior insistência, aos fiéis e a todo o mundo, a sua natureza e missão universal. E as condições do nosso tempo tornam ainda mais urgentes este dever da Igreja, para que deste modo os homens todos, hoje mais estreitamente ligados uns aos outros, pelos diversos laços sociais, técnicos e culturais, alcancem também a plena unidade em Cristo” (Cf. LG,1) .


A própria Igreja nos coloca diante dessa relação indissociável entre a pessoa de Jesus Cristo e a identidade dela mesma. A verdadeira Luz dos Povos é Jesus Cristo. Os santos padres captaram e trouxeram essa imagem do reluzir da luz da Igreja quando esta apresenta ao mundo a pessoa do Filho de Deus como fonte e razão de ser da sua missão (cf. AG, 2). Essa forma de viver a sua dimensão pastoral é o que fará esse Sacramental Universal de Salvação. Ela é mistério que comunica ao mundo a obra de Jesus de Nazaré. É o sacramento do Reino de Deus, que é de libertação, justiça e paz (cf. Mt 5,1-12; Lc 6, 20-26). Ela é uma “realidade vivente que surge em Pentecoste” (cf. R. Guardini, La realtà della Chiesa, pág. 160). O mesmo autor diz que


“As energias vitais de tal realidade eclesial são enormes. Nessa estão inseridas singularmente as criaturas humanas, cada uma das quais que têm a imediata relação com Cristo e a própria essência cristã individual (cf. 1Cor 12). Cada uma é membro. Já foi assumido um conceito moderno: cada uma é ‘célula’ nessa grande forma vivente, sustentada, ordenada, unificada pela força plasmante que emana do sagrado Corpo... ‘A Igreja é uma realidade de pessoas e personalidade’” (cf. R. Guardini, La realtà della Chiesa, pág. 162).

O pensado pelo teólogo ítalo-germânico é de plena sintonia com a eclesiologia conciliar, ou vice-versa. A Igreja é esse corpo místico que tem Jesus Cristo como Cabeça. Mais uma vez a ideia do Cristo Total tão presente no pensamento de Santo Agostinho. Deste modo, temos uma percepção teológica da Igreja na sua dimensão ad intra, que será importante para a interpretação e noção do seja a Igreja na sua relação com o mundo, quando a ‘hermenêutica’ conciliar feita de modo fragmentado, não olha para o todo epistemológico e pastoral das prerrogativas do Vaticano II. Aqui vem a nossa atenção para outro texto de suma importância para o estilo pastoral na modernidade que a Gaudium et Spes. Neste texto, também na introdução é afirmado o seguinte:


“As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história” (cf. GS, 1) .


Vejamos que as proposições dos dois principais documentos do Concílio são complementares. Em ambos está a atenção com a identidade da Igreja e sua tarefa junto à humanidade de ser porta voz da missão de Jesus Cristo, que veio para salvar todo o homem e o homem todo. A ação pastoral tem aqui um forte apelo, não só para a salvação da alma, nem menos para integridade só corporal e temporal do humano. Quando falamos numa dinâmica pastoral que considere essa dimensão integral do ser humano, nos remetemos uma ecologia humana, a uma pastoral integral e integrante. Nos voltamos, sem dúvida, para a importância da espiritualidade da prática pastoral para que não nos tornemos funcionários do sagrado, com uma ação pastoral fria e sem atração, com psicologismos superficiais e temporalidade sem transcendência. Ou pior, com viés pelagiano ou gnóstico, que se voltam para a ‘vontade de poder’ da razão ou da vontade . Neste sentido, podemos falar de uma urgente espiritualidade cristã e eclesial para o bom êxito da genuína pastoral da Igreja especificamente pensada, planejada e realizada, com uma ordem paradigmática e programática, que está no fato de que todos somos chamados a ser ‘discípulos missionários, graças a nossa consagração no batismo .


O interessante também ter presente o que significa espiritualidade, sempre mantendo o elo que tem sido proposto a partir do capítulo dez do evangelista João. Pensemos espiritualidade como todo processo de crescimento, da inautenticidade à relação concreta com Deus e à posse de sua verdade como imagem de Deus. A experiência Deus acontece de fato na espiritualidade contemporânea não só como o coroamento do caminho espiritual, mas também como a característica-chave de comportamento ao longo desse caminho. A experiência pastoral necessita desse caminho para ser qualificada como ação do discípulo missionário de Jesus Cristo. Não há a intenção de percorrermos as denominações e escolas que ao longo da história do cristianismo foram construindo essas características, que mesmo com suas múltiplas formas, sempre tiveram sua base de sustentação o Evangelho. É importante frisar esse aspecto. A espiritualidade cristã sempre tem sua fundamentação no Evangelho. A própria prática pastoral deve partir ‘sempre’ dele para ser autenticamente cristã e eclesial. Deste modo, a relação entre espiritualidade e pastoral vai sendo uma das impostações a serem pensadas para que no mundo atual, o olhar da Igreja como ‘pastora’, hospital de campanha e mãe e mestra sejam o rosto a ser contemplado por quem está dentro e fora dela, a fim de que a sua credibilidade seja uma conquista do seu testemunho.


Por fim, lembrar que essa relação é exigente e nos coloca num estado de prontidão constante, tendo sempre na pedagogia de Jesus e nos seus ensinamentos as possibilidades a serem percorridas para que espiritualidade e pastoral sejam indissociáveis (cf. Lc 9). As urgências da missão no tempo presente esperam isso de todos nós. Assim o seja!

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